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Diagnóstico Genético Rápido: o que Portugal está a perder

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Diagnóstico Genético Rápido o que Portugal está a perder

As doenças genéticas são uma das principais causas de internamento em unidades de cuidados intensivos neonatais e pediátricos. Um diagnóstico preciso e rápido pode fazer a diferença entre um tratamento eficaz e a progressão irreversível da doença. No entanto, Portugal ainda está longe de adotar as soluções tecnológicas que já demonstraram sucesso noutros países.

Em 2023, um estudo conjunto do Centro Hospitalar de Liège e da Université de Liège demonstrou a eficácia da sequenciação rápida do genoma total (rWGS) em recém-nascidos. Esta técnica permitiu reduzir o tempo de resposta, desde a colheita da amostra até à entrega do relatório, para menos de 40 horas. Num universo de 21 casos analisados, 12 receberam um diagnóstico molecular (57,5%), sendo que, em seis destes, a mutação era de novo (isto é, não estava presente nos progenitores). Além disso, a rWGS corrigiu diagnósticos clínicos em vários casos, evidenciando a complexidade do diagnóstico em recém-nascidos. Dois dos recém-nascidos diagnosticados foram mesmo incluídos em ensaios clínicos, demonstrando o impacto imediato da tecnologia.

Avanços internacionais

Na Bélgica, onde desde 2017 o teste pré-natal não invasivo (NIPT) já é realizado em todas as gravidezes, os avanços continuam. Apesar de ter uma população ligeiramente superior à de Portugal (11,7 milhões de habitantes) e cerca de 110.000 nascimentos por ano, o país está a ponderar a implementação nacional e semi-centralizada de uma rede de sequenciação rápida do genoma total, seguindo exemplos do Reino Unido, Alemanha, Estados Unidos e Israel.

O Impacto em Portugal

Portugal, por outro lado, só em 2023 passou a oferecer o NIPT em gravidezes com risco calculado entre 1:101 e 1:1000, bem diferente da recomendação do American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG), que defende o acesso ao exame para todas as grávidas. No que toca ao rWGS, a ausência de uma abordagem estruturada é ainda mais evidente. Com cerca de 80.000 nascimentos por ano, estima-se que cerca de 8.000 bebés poderiam beneficiar de um diagnóstico precoce mais preciso.

A questão que se impõe é: porque é que Portugal continua sem avançar nesta área?

A tecnologia existe, os exemplos estão à vista e os benefícios são inegáveis. Investir na implementação do rWGS seria um passo crucial para garantir que cada recém-nascido tenha acesso a um diagnóstico atempado e, sempre que possível, a um tratamento adequado. Adiar esta mudança é comprometer o futuro de milhares de crianças e o próprio avanço da medicina neonatal no país.

Artigo publicado no Observador: https://observador.pt/opiniao/diagnostico-genetico-rapido-uma-urgencia-para-portugal/

Sónia Pereira, Bioquímica especialista em investigação genética

Sónia Pereira
8 de Maio, 2025